“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludo, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”
— Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960, p. 37).
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) nascida em Sacramento, Minas Gerais, mudou-se para São Paulo em busca de melhores condições de vida e sustentou-se como catadora de papel e empregada doméstica, criando sozinha seus filhos: João José de Jesus; José Carlos de Jesus e Vera Eunice Jesus Lima. Com apenas dois anos de escolaridade formal, Carolina desenvolveu notável capacidade de escrita registrando o cotidiano marginalizado com sensibilidade e voz própria.
Cabe destacar o caráter multiartista da Carolina Maria de Jesus que gravou em 1961 um álbum que reúne 12 músicas de autoria própria, abordando temas cotidianos da favela, desigualdades sociais, relações de gênero e poder, transitando por ritmos como samba, marcha, baião, partido-alto e valsa. O título das músicas são: Rá-ré ri ró rua; Vedete da favela; Pinguço; Acende o fogo; O pobre e o rico; Simplício; O malandro; Moamba; As granfinas; Macumba; Quem assim me ver cantando e A Maria veio. E para além do quarto de despejo a autora produziu:
Casa de Alvenaria
Ano: 1961
Gênero: Diário/autobiografia
Observação: Diário de uma ex-favelada
Pedaços de Fome
Ano: 1963
Gênero: Narrativa/contos
Observação: Publicado após o sucesso inicial
Provérbios
Ano: 1963
Gênero: Poemas/provérbios
Observação: Reflexões poéticas
Diário de Bitita
Ano: 1986
Gênero: Autobiografia
Observação: Obra póstuma; publicada no Brasil e França
Meu estranho diário
Ano: 1996
Gênero: Diário
Observação: Obra póstuma
Antologia pessoal
Ano: 1996
Gênero: Poesia/crônica
Observação: Seleção de textos pessoais
Onde Estaes Felicidade
Ano: 2014
Gênero: Contos inéditos
Observação: Obra organizada posteriormente
Meu sonho é escrever
Ano: 2018
Gênero: Contos inéditos
Observação: Coletânea de inéditos
Clíris: Poemas Recolhidos
Ano: 2019
Gênero: Poesia
Observação: Poemas organizados e publicados postumamente
A autora deixou também um acervo de manuscritos e textos dispersos, que vêm sendo organizados e publicados em novas edições, revelando a amplitude de sua criação literária e a riqueza do seu projeto estético.
A obra de Carolina Maria de Jesus transcende o relato memorialístico: é reconhecida atualmente como essencial para entender os dramas e as resistências do Brasil pós-abolição, com sofisticada análise das relações sociais, políticas e afetivas na periferia urbana.
Por isso, seu nome inspira a Política de Promoção de Equidade Étnico-racial da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp que conforme seu Art. 2º define que a política terá caráter estruturante e transversal, tendo formulação, gestão e operação compartilhadas e efetivadas pelas diferentes instâncias acadêmicas e administrativas da Unifesp e será orientada para:
• Cartografia étnico-racial, formação inicial e continuada para a educação das relações étnico-raciais;
• Formação inicial e continuada para a educação das relações étnico-raciais;
• Comunidade acadêmica fortalecida para a prevenção ao racismo;
Nomear uma política de promoção a equidade étnico racial para além de uma homenagem a essa intelectual orgânica, é o reconhecimento de seu legado como uma bussola orientadora para a construção de uma universidade que valoriza as diferenças e combata as desigualdades, afirmando seu senso de pertencimento que almeja a excelência acadêmica construída em ciências socialmente referenciadas e que se eduque em comunidade para e nas relações étnico-raciais.
É um ato de reconhecimento e uma atitude de reparação à trajetória dessa intelectual que aqui não pode estudar, mas segue generosamente nos formando!
“Minha mãe dizia que as exigências da vida nos obrigam a não escolher os polos. Quem nasce no polo norte, se acostuma com o frio; quem nasce no polo sul, com o calor. É preciso paciência para viver.”
Fonte: Diário de Bitita.